Gêneros Musicais no Rio Grande do Sul: um pouco das origens

20/05/2015 16:39
Pela Drª Cristina Rolim Wolffenbüttel

        Quando nos propomos a realizar a audição de exemplos da música popular, particularmente da música do Rio Grande do Sul notamos, de início, que há particularidades na música desta região que a diferencia das demais localidades do Brasil. Logicamente, estas diferenças têm a origem na própria “formatação” sonora da música do estado. Porém, é de grande importância (e proveito), levar em consideração as origens culturais e sociais dos gêneros musicais que deram início à formação do chamado “jeito da música gaúcha”.
            A música popular do Rio Grande do Sul é, por assim dizer, o resultado de uma mescla de influências de várias etnias que vieram para o estado. Dentre estes povos, podem ser referidos os portugueses, os africanos e os indígenas. Além deles, os italianos, os alemães, os espanhóis, os poloneses, os japoneses e os árabes, entre outros, enriqueceram e auxiliaram na construção do rico perfil musical gaúcho.
            Dos gêneros musicais trazidos para o Brasil e, por conseqüência, dos que aqui chegaram, os primeiros foram a valsa, a polca, a schottisch e a mazurca. Posteriormente, estes gêneros foram se mesclando, com o convívio dos imigrantes com os nativos, resultando um processo de aculturação[1], e originando a música do estado.
            A valsa, gênero de dança ou peça de concerto, originou-se das danças rústicas alpinas (austríacas), principalmente do Ländler. Chegou ao Brasil em meados de 1830, devido à fama das valsas vienenses do compositor Johann Strauss.
            Diversos compositores eruditos europeus dedicaram-se a este gênero de música, tais como Haydn, Mozart, Beethoven e Schumann, somente para citar alguns.
            As primeiras notícias de composições de valsas, no Brasil, relacionam-se aos nomes do Príncipe Dom Pedro e Sigismund Neukomm. A partir deles, apareceu um grande número de publicações de partituras musicais, tanto eruditas, quanto populares. Além disso, salienta-se o fato de estas músicas serem impressas no próprio país.
            Tinha-se, portanto, um grande acervo musical nesta época, tanto de compositores brasileiros, quanto estrangeiros residentes no Brasil, bem como de estrangeiros. Dentre os brasileiros, podem ser lembrados os nomes de Henrique Braga, Carlos Gomes, Francisco H. Gonzaga, Ernesto Nazareth e Alberto Nepomuceno, dentre tantos outros.
            Segundo Câmara Cascudo (1984), a valsa “veio a divulgar-se no Brasil durante fins do I Império e período regencial, justamente quando Paris inteiro a consagrava, 1830 e seguintes” (p.782).
            Em relação às características musicais específicas da valsa, a principal é o compasso ternário simples, cuja acentuação recai sobre o primeiro tempo. O andamento pode ser bastante diversificado. Existem valsas mais rápidas, e outras mais lentas.
            Ao integrar o repertório popular dos demais estados do país, este gênero tomou aspectos variados, e peculiares a cada região. No Rio Grande do Sul apresentam-se um pouco mais marcadas que as européias, talvez devido ao tipo de dança gaúcha, que é mais marcada.
            Outro gênero de música que veio para o Brasil e que também contribuiu para a caracterização do perfil da música sul-rio-grandense foi a polca.
            Ao chegar no país, por volta de 1845, a polca teve suas primeiras apresentações nos teatros do Rio de Janeiro. Nestas mostras difundiu-se com grande rapidez para os demais estados, tornando-se uma dança que não podia deixar de aparecer nos bailes de então.
            Em compasso binário simples, a polca é uma dança bastante alegre, tendo sua origem no século XIX, na região da Boêmia, passando para a França e expandindo-se para os demais países, inclusive o Brasil.
            Outrora, à semelhança da valsa, havia uma grande quantidade de partituras de polcas impressas no Brasil, tanto de compositores brasileiros, quanto de estrangeiros, quanto de estrangeiros.
            Comparando a polca européia com a brasileira, percebem-se alguns aspectos que as diferenciam. O ritmo, por exemplo, da polca brasileira, pode apresentar, algumas vezes, notas pontuadas, sendo que a polca europeia é mais marcada. Isto se deve às confluências da polca com outros gêneros musicais, como o Lundu e a Habanera. Segundo Kiefer (1983), as “polcas que podemos situar na década de 1870 sugerem que nesta época deve ter começado a fusão entre os ritmos da polca européia e da habanera... onde o ritmo de acompanhamento da habanera é flagrante... Polca-lundu significa, aqui, visivelmente: lundu na parte melódica, habanera no acompanhamento” (p.19).
            De uma forma abrangente tem-se que, no Brasil, as características da polca podem ser consideradas a utilização do compasso binário simples e um andamento girando em torno de um Allegretto. Existem polcas ternárias, mas isto é bastante raro.
            Com o passar do tempo tem-se percebido algumas modificações nestas composições, o que demonstra, de acordo com a saudosa etnomusicóloga Profª Drª Rose Marie Reis Garcia, a ocorrência de um processo de hibridismo musical.
            A xote, originado da dança Schottisch européia, entrou no Brasil em 1850, aproximadamente. Trata-se de uma dança derivada do que os franceses imaginavam ser uma dança escocesa, pois schottisch significa “escocesa”, em alemão.
            Quando chegou ao Brasil, inicialmente a xote estabeleceu-se no Rio de Janeiro. Com o tempo, devido à sua característica “alegre e descontraída”, a xote popularizou-se, passando a integrar o repertório de pequenos conjuntos instrumentais, como os “chorões”.
            Dentre as características musicais, a xote apresenta semelhança com a polca. O compasso pode ser binário ou quaternário, e o andamento, rápido, de caráter alegre.
            No Rio Grande do Sul, a xote é dançada ao som do acordeom, e isto deve-se ao fato de que a aceitação deste gênero musical “coincidiu com a difusão da gaita” (MARCONDES, 1998, p.815). No Rio Grande do Sul duas composições pertencentes ao gênero musical xote ficaram conhecidas, o “Xote Carreirinha” e o “Xote Laranjeira”.
            Finalizando a análise da origem musical do Rio Grande do Sul, sem pretender esgotar o assunto e, tampouco, afirmar que tenham sido apenas estes gêneros musicais que marcaram a formação da música do estado, é relevante mencionar a mazurca, outra dança trazida da Europa. Nesta medida, a importância da mazurca para o gaúcho deve-se pelo fato de este gênero ter originado a Rancheira, uma dança tipicamente gaúcha.
            A mazurca, dança polaca, possivelmente originária da Mazóvia, remonta o século XVII, e possui o compasso ternário simples e as características bem semelhantes à rancheira. A rancheira mais antiga que se tem notícias é o “Mate Amargo”, sendo a pioneira.
            Os gêneros musicais citados neste breve relato são, logicamente, alguns dos importantes aspectos da cultura musical sul-rio-grandense. Em outra oportunidade serão tratadas outras músicas, a fim de que se possa conhecer mais e melhor a música desta terra com tantas riquezas sonoras.
 
 
Referências
CÂMARA CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia, 5ª ed., 1984.
KIEFER, Bruno. Música e dança popular. Porto Alegre: Movimento, 2ª ed., 1983, p. 19.
MARCONDES, Marcos Antônio. (Ed.). Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 3. ed. São Paulo: Arte Editora/Itaú Cultural/Publifolha, 1998.
 
 
 
 
 
 

[1] Aculturação: um dos processos que ocorre na dinâmica do folclore, quando grupos culturais distintos entram em contato, mesclando-se, surgindo um novo padrão cultural. Também pode ser denominado de Transculturação.