A Dama do Asfalto

15/04/2015 16:02

    Por Delmar Bertuol

    (Texto que compõe a antologia do 1º Prêmio da Casa do Poeta Brasileiro de Praia Grande)

    

Mesmo com a brisa da manhã, fica com as pernas de fora. Tem que sempre estar com as pernas de fora. A vitrine antecede a compra.

Mesmo com o cansaço da manhã, após uma noite mal dormida, tem ainda que se maquiar. Cosméticos baratos. Não é fácil vender uma cara de sono.

As unhas desleixadamente pintadas. Carcomidas nas pontas. Os dedos amarelados do cigarro. Tosse do frio e da fumaça. Se não há cliente por perto, escarra no chão.

Aprendeu a calcular o preço. Sempre um pouco a mais do valor de tabela. Não muito a mais, também. Da ultima vez em que ousara cobrar R$ 50,00 de três mauricinhos vindos de uma festa, teve a cara cuspida depois de ouvir os mais humilhantes impropérios. Nem as beatas lhe ofenderiam tanto.

Taxa-se a R$ 30,00 para depois da barganha (sempre há a barganha) fechar em R$ 25,00. Se o movimento é escasso, faz por R$ 20,00.

Uma vez chupava por R$ 10,00, mas julgou que não vale a pena. O tempo de trabalho é quase o mesmo e a maioria aceitava a promoção. Para facilitar a negociação da tarifa e dos adicionais, simplificou: R$ 30,00 completo ou R$ 25,00 o boquete. Claro que os caminhoneiros pagam R$ 5,00 de diferença para comer o rabo. Ademais, já sabem que não precisam requerer mais de uma vez seu desconto.

Ela não gosta que a julguem. Mas todos a julgam, até mesmo os casados que comem seu rabo aconselham-na. Ela já trabalhou, mas a rotina e o pouco salário afastaram-na do ofício. Além disso, tem que sobrar algum pro seu filho. A vó alega que não pariu a criança. Cuida por compaixão, mas daí a sustentar...

Quando foi na Igreja, o pastor recomendou-lhe que procurasse um emprego digno, mas aceitou, por mais de três meses, o dízimo oriundo do pecado. Como não encontrara Jesus e calculou que a cada cinco enrabadas que levava, uma era para a Igreja, desistiu do Senhor. Voltou para as drogas, cuja resposta hedonista, é mais imediata.

Assim ela passa seus dias. Ouvindo marotas buzinadas, ofensas de filhinhos de mamãe e recebendo olhares reprovadores das donas-de-casa. Na beira da estrada, comendo poeira do acostamento, ela aguarda algum cliente. Não são muitos, mas ela vai levando.